domingo, abril 26, 2009

Declamação de poemas-galeria II


No dia 17 de Abril, após a inauguração da exposição do Rigo 23, de uma forma muito informal, surgiu uma surpresa muito agradável.

Policarpo Nóbrega, poeta e declamador, soltou a sua voz e declamou poemas no centro da sala do novo espaço da galeria, com os convidados em sua volta.

O primeiro poema foi dedicado ao pai do Ricardo Gouveia (Rigo 23) pelo homem sonhador e artista que foi: “Pedra Filosofal” de António Gedeão.

O segundo poema foi uma homenagem à mãe do Rigo23 que estava presente e que tão bem transpôs para o bordado alguns dos desenhos/pinturas do filho, com um poema da autoria do poeta Policarpo Nóbrega, publicado no livro "Abre-te ao Mundo" e que passou a ser um poema para todas as mães do mundo: “Mama”.

Por fim, declamou o poema de Eugénio Régio: “O Cântico Negro”dedicado ao artista Rigo 23 pela sua irreverência como artista plástico e pela sua forma de estar no mundo, pelos princípios que segue de humildade, de verdade, de justiça, de amor e solidariedade para com os que mais precisam.

A pedido de uma amiga da “Galeria dos Prazeres” que não conseguiu assistir a esse momento, deixo aqui registado, em parte, os poemas que foram declamados pelo poeta Policarpo Nóbrega.


PEDRA FILOSOFAL

Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.

Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.

Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.

Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida,
que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.


In Movimento Perpétuo – António Gedeão

MAMÃ

Tu és como o sol
Que ao fim da tarde
Se esconde
Mas volta sempre

E mesmo ausente
Está sempre presente

E nunca nos deixa
às escuras

Pois em seu lugar
Qual dádiva divina
Deixa-nos
Um mar de estrelas

Um mar de estrelas
Que me faz lembrar
O teu belo sorriso

Policarpo Nóbrega


Cântico negro


"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!


José Régio

1 comentário:

lena disse...

obrigada Patricia pelo cuidado e atenção em esclarecer-me.

Tenho pena de não ter assistido a este momento, até porque, acho que a "Poesia" faz falta nos nossos dias.

Abraço