O livro Les Planches Courbes (2001) do poeta francês Yves Bonnefoy (1923) inspirou Paula Rego para uma nova série de gravuras.
O texto aborda o momento em que um menino sem nome, sem pai, sem mãe e sem casa pede a um barqueiro que o leve à outra margem do rio. O barqueiro protege o menino para ele não cair à água e este gesto de ternura leva o menino a pedir-lhe para ele ser o seu pai. Mas o barqueiro vive no seu frágil barco entre uma margem e outra do rio nada tendo para oferecer ao menino. Na travessia as tábuas curvas do barco cedem ao peso dos seus corpos e menino e barqueiro ficam ao sabor da corrente. Nas gravuras de Paula Rego sobre esta recriação da lenda de S. Cristóvão, a par do menino e do barqueiro, vemos também uma rapariga assustada conduzindo um frágil barco de papel e a tentar encontrar o seu porto de abrigo. Mas Paula Rego arranja não só um tecto para abrigar o menino e o barqueiro mas também uma estranha família de acolhimento.
As gravuras eximiamente executadas a água-forte e água-tinta apresentam personagens estranhas e familiares em cenas, por vezes, delirantes, por outras, banais, que ilustram uma determinada narrativa textual. Contudo, o universo onírico da artista, que muitas vezes se sobrepõe à linearidade da história narrada, questiona, deste modo, a experiência visual – entendida como sensorial e, também, como intelectual. Com este desfasamento, entre imagem e texto, o espectador deixa de ser um mero observador para ser tocado ou atingido por algo que o surpreenderá. A surpresa pode ser prazerosa ou dolorosa. E é nesta estreita linha que se promove a imaginação de quem se propõe a sentir e de quem se inquieta com o mundo mundano.
Arlete Silva
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