terça-feira, maio 18, 2010

Sobre o (Sopro cardíaco) - II


Arbusto, 2006, fotografia da autoria Zyber Chema.

Sérgio Benedito (sopro cardíaco) PAULOSÉRGIOBEJuGALERIADOSPRAZERESABRIL/MAIO2010

Deve ser porque a natureza da alma se faz sentir, por vezes de forma atribulada, que os dias em que o sol brilha, se vivem com maior vigor, e a luz veste-se de uma poesia há tanto desejada.

Deve ser por isso, também, que o coração bate mais desordenadamente no encalce do tempo e que a sofreguidão dos corpos se espelha na ternura dos olhares, que se dissolvem no emaranhado das horas… na ausência do corpo.

Deve ser por isso, ainda, que o coração se bate na impossibilidade de se sentir vivo, de poder ser metáfora de si mesmo, de se poder libertar dessa natureza condicionada, desvirtuada, desatenta. De poder ser. Coração. Sopro.

Deve ser por isso, de resto, que a realidade nos comove até à exaustão de nós mesmos, e que os corpos se dissolvem no nada dos gestos que não são, nunca o foram e nos deixam assim, plantados nessa expectativa do sentir. Nessa necessidade de respirar.

Mas, é também nessa natureza danificada, que a vida decorre, muitos dias, sem sobressaltos, e onde o sol faz crescer os dedos e abre nos corpos as bocas sedentas de ar e nos comove até ao infinito de nós, fazendo sempre com que os nossos pés percam as talas que tantas e tantas vezes nos aninham na noite do tempo. É preciso esse ritmo cadenciado, esse batimento constante, esse embalar uterino que nos devolva à condição primeira de olhar o mundo pela primeira vez. Como na outra primeira vez. E daí o sopro. E daí a vida. E daí a arte. Essa porção fundamental de ar que nos anima e nos faz querer renovar o que de velho permanece em nós.

Deve ser por isso, então, este coração feito sopro, ou sopro feito coração. Esta natureza condicionada, danificada, luminosa, por fim. Este corpo que se dissolve num tanto de poesia visual, de palavras mordentes da condição primeva de sentir. Deste sorrir que se entrega na demanda da mão, feita boca. Deste sentir, que precisa desse batimento cadenciado e único em mim. Desse voltar. À impossibilidade do retorno.

Por tudo isto, arde-me neste olhar a arte do porvir. Chove-me, neste sentir a urgência do germinar. Ama-me neste bater a entrega do sentir.


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